terça-feira, 24 de julho de 2012

Harmonioso caos

 O instante em que o mundo perfeitamente se encaixou



          Hoje é um daqueles dias em que as cores estão alteradas. Alteradas e ainda assim  eu olho ao meu redor e elas parecem colorir perfeitamente todo o cenário do meu instante sentado na calçada.E aqui, sentado, sozinho e silenciado percebo como todas as coisas se encaixam perfeitamente. É como se por um momento toda a terra girasse numa orbita harmoniosa, sem ondas, sem tremores de terra, sem problema algum voando no vento. Simplesmente as coisas estão no seu lugar. Felizes como peças de um quebra cabeça.
          Um menino está sentado aos pés de um morro. Um cara conhecido por causa de drogas, com bermuda velha e um boné surrado ele olha pro chão por um bom tempo. Então uma menina chega, não longe dos seus 15 anos de idade, com um rabo de cavalo e um sorriso que não me soou nem puro  nem malicioso. Intenso somente. E com aquele sorriso o garoto a abraça e erguendo-a alguns centímetros do chão ele a gira e a beija. Um beijo bonito apesar de tudo. E o tudo se rendeu naquele momento onde o mundo inteiro estava no seu lugar.
          Do outro lado da rua passa um amigo meu. Uma mochila nas suas costas. Ele é um menino difícil. Nervoso e irritado, marcas que me levam a crer que ele também é um sensível. Ele simplesmente caminha com seus fones de ouvidos. Estou longe mas poderia apostar que ouvia uma banda metal. E apesar de todo seu irritante nervosismo costumeiro e seu rock, ele anda calmo, ele anda a passos constantes e suaves. E o mundo gira em sua orbita harmoniosa.
          Passa um carro com um outro amigo. Crescemos juntos. Não no tempo, mas no coração de alguma forma. Somos tão diferentes e eu o vejo no banco do passageiro, ao lado de seu pai. Em exatos 12 dias ele faz 18 anos e quem sabe estará dirigindo aquele carro. Ele, que já sobreviveu a duas ameaças de vida, está despreocupado com o braço para fora da janela, pensando em sua namorada quem sabe. E apesar da inconstância da vida e de suas surpresas, a existência parece ali tão somente simples e segura. Constante e exata. Sem ameaça alguma o mundo está perfeitamente em seu lugar.
          Então finalmente penso em mim. Aqui, sentado, sozinho e silenciado. Numa calçada esperando minha bicicleta antiga chegar. Penso na minha bermuda já usada. e em como nem minhas roupas e até suas cores parecem não se encaixar ao cenário. Me deparo com um menino que não se ajustou justamente no instante em que o mundo inteiro parece estar se arrumando em seu lugar. Dentro de mim uma bagunça de sentimentos. Uma constante inconstância, um garoto à margem, à espera de alguém que traga um sorriso, uma sensibilidade nervosa a passos lentos, um garoto que ainda não sabe dirigir teimando em estar vivo.
          E enquanto o mundo ali fora gira perfeitamente, dentro em mim ele está explodindo. Enquanto ali fora as coisas parecem tão perfeitamente encaixadas, há peças em minha alma que ainda estão fora de lugar. E enquanto vejo ao meu redor uma harmonia perfeita, vejo que o que lá fora está perfeitamente se encontrando está dentro de mim sem órbita.
          E enquanto divago sobre aquele instante, me deparo com a realidade de que estou vivo e isto já é um inicio. Todos nós vivos e isto já é um início. E no final, nenhum de nós por inteiro completo, por inteiro em seu lugar. Por dentro somos todos uma bagunça.
          A vida tem disso... soar perfeitamente perfeita na nossa imperfeição... fazer o caos ser harmonioso em sua órbita... e eu... estou aqui, sentado, sozinho e silenciado; mas vivo, e isto já é um inicio...