quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Meu eu cinza na engenharia preta e branca



Sabe lá Deus o que eu estou fazendo em um curso de engenharia. E é o “sabe lá Deus” que é a parte mais importante, pois foi ele que me pôs aqui. Mas por que? Pois bem, é aqui que tudo começa.Na minha vida acadêmica tenho convivido diretamente com alunos da engenharia e engenheiros já formados em classe lecionando. Esse convívio tem se mostrado um desafio pra mim por tantas vezes. Minha forma de ver o mundo, de agir, de pensar acaba se mostrando tão diferente que é assim que esse texto nasce: por que é pra mim tão complicado me adequar à este ambiente? Não sei ao certo ainda, mas no fim todos concordaremos que eu, desde sabe lá Deus quando, tenho um pezinho (se não os dois) nas áreas que hoje rotulamos de “humanas” e acho que é aqui que se passa a questão.
Primeiramente, devo dizer que não se trata da engenharia ser desumana. Bom deixar isso bem claro. Essa tal história de separar as “exatas” das “humanas” é bem além de suspeita um certo absurdo. Mas o negócio é o seguinte, por experiência própria, eu lhe digo que no meio das exatas, pouco a pouco tudo o que é racionalmente lógico irá se assegurar da tarefa de encher a vida de cálculos e estatísticas. O que restar além da burocracia que rege um mundo de padrões estabelecidos e perfeitos não será mais de interesse especial. Como se fosse possível descartar todo improviso e toda insegurança, nos propomos a organizar todas as prateleiras da vida em ordem numérica e sem exceções. O erro custa caro sempre, portanto não erraremos. Nossa solução tem que satisfazer milhares de indicadores e ser acima de tudo rentável.
Resumindo: esse mundo da engenharia pede preto no branco. Quando digo que só há preto no branco acredite. É assim que tem de ser. E não há espaço nem mesmo para um tom cinza, o cinza é inexato de mais para nossos olhos focados nas probabilidades controladas e resultados necessários. São engrenagens que nos movem. São circuitos interligados que nos mantém em funcionamento. São as estratégias esboçadas e gerenciadas que vão ditar o futuro.
Mas o que eu acho disso?
Eu estranhamente amo o cinza! E assim sendo sou geralmente taxado de “o cara no curso errado”. E por que esse cinza que eu tanto gosto é complicado? Bom, quando o cinza importa, quando se tem olhos para a beleza das engrenagens ou a curiosidade por detrás dos circuitos e não somente para a eficiência destes, as circunstancias e premissas da engenharia acabam se tornando algo mais pesado.
Eu acredito que tem muito mais bagagem na vida do que cabe numa estimativa. Pra mim o x da questão passa bem longe da exatidão o qual tem os engenheiros se orgulhado tanto.Eu gosto do cinza. Eu gosto do cinza do aço trabalhado tanto quanto do cinza do céu que anuncia tempestade. Aliás amo a forma como a janela anuncia a mudança abrupta do tempo, a forma como de repente o inesperado cai do céu e assalta as pessoas que reclamam como se o fenômeno climático fosse um erro que surgiu no seu dia tão bem planejado. Afinal de contas o imprevisível, o incalculável, o fora da norma, a exceção da reta é tudo bem característica dos sentimentos que nos povoam, e pelo menos eu, tenho mais sentimento que engrenagens em mim.
Eu gosto do cinza porque não somos preto no branco. Quanto pessoas, somos a inconstância, somos os antagonismos, somos os desafios, somos as descobertas. Nada tão claro e nada tão na escuridão. Somos dúvidas não respondidas e respostas questionáveis habitando mesmo recipiente. Eu gosto do cinza, eu gosto de perceber beleza na cor que se modifica no aço que funde, gosto de assistir um problema se resolvendo e a lógica se desdobrando como algo incrível, gosto da engenharia palpável, a engenharia que trabalha para pessoas e feita por pessoas que visam pessoas.
E digo mais: se for os sentimentos o desvio da reta, aquela curva inesperada, aquela variável problemática, aquele dado fora da estatística, eu bem ponho à prova toda essa tal de engenharia que os combate. Faço sim isto. Faço pois não consigo afastar de mim o tão belo cenário das relações que se desdobram por baixo de tudo quanto padronizamos.Pessoas são pessoas. Todo aquele não preto no branco me encanta. Me encanta o desdobrar das relações, a construção da história, a mente que vai transformando tudo por onde vai com seus filhos pensamentos.
A engenharia em sua indiscutível importância porém não pode ir até esta profundidade existencial para sua própria subsistência. Não são as vigas que constroem o homem que interessam ao homens que constroem pontes. Se por acaso o ser rentável bater de frente com o ser amável, maquiavelicamente a engenharia tem mente e não coração. Há em todos os cálculos e demais matemáticas a visão única de se estruturar o mundo, um mundo que realmente precisa de pontes, precisa de gestão lucrativas, precisam de máquinas e circuitos.
Então eis que talvez o problema seja eu, com minha profundidade e visão.Não que engenheiros sejam em sua essência rasos ou superficiais, pois todas as pessoas são profundas até a alma. Só que eu não consigo me despir disso e eu carrego isso pra sala de aula ou pro meu trabalho. Carrego o olho atento que enxerga a tristeza do companheiro e carrego mais sentimentos que livros na mochila.  Carrego pessoas, carrego sentimentos, carrego a busca pela beleza, carrego a necessidade de ser tudo mais vivo do que parece.
E é assim que eu, estudante de engenharia tantas vezes sobro no meio da engenharia. Deixando a criatividade roubar espaço da organização, deixando as perguntas secundarias se tornarem as principais, trocando cálculos por pessoas e tentando fazer de toda a lógica algo belo e cheio de vida que me inspire. Sim, eu preciso de inspiração.
Mas de tudo quanto já ouvi sobre não pertencer à este ambiente, hoje eu luto minha própria luta e caminho aos meus próprios passos. Como assim? Simples. Eu não sou a pessoas do curso errado. Eu sou a pessoa que se descobre. Eu não sou o músico, ou escritor, ou psicólogo na engenharia. Eu sou o engenheiro que além de engenheiro é músico, escreve e ama pessoas! E se esse for realmente meu problema, eu não ligo pra esse problema. Eu amo este problemas. Amo este meu cinza com músicas, com palavras, com sentimentos. Amo ser este incompatível.

Amo este cinza, porque talvez eu realmente não me encaixe tão bem hoje, mas quando se trata de diferencial, meu cinza, ah meu cinza, será a engenharia mais bem vivida que Deus, sabe lá porque, me deu.