Hoje percebi que escrevo muito de
mim, ponho em letras meus sentimentos e essência, mas quase nunca escrevi sobre
minhas histórias. Aquelas narrativas das vidas reais. Por isso, e tocado pela
inspiração de segurar (não, ainda não li) o livro ”O Livreiro de Cabul” corri
para casa no anseio de fazê-lo. E é por isso que estou aqui e falarei de ovos
de Páscoa.
Ovos de Páscoa. Eu sei que é
natal, mas não quero falar de panetones, então, ovos de Páscoa. E ovos de
Páscoa porque foi disso que lembrei quando no supermercado vi uma mãe à beira
do carrinho e duas crianças sentadas na base de um balcão comendo, ali mesmo,
dentro do supermercado um doce semelhante aos que estavam expostos no balcão já
citado. Cena comum sim, mas aquilo me trouxe a memória ovos de Páscoa. Posso
explicar.
A história se passa quando eu era
criança por volta, sei lá, dos meus 10, 11 anos (que o leitor desculpe a
imprecisão, quase nunca escrevi narrativas assim antes e não aprendi a lidar
com datas). Existia um supermercado à
caminho de casa no qual sempre
passávamos (os personagens aqui são eu, minha mãe e provavelmente meu irmão,
apesar de não me lembrar dele...) na
volta da escola. Tínhamos “conta” ali.
Na época da bendita Páscoa, lembro
daquele corredor em frente ao balcão de pagamento (no caso de assinar as
notinhas, pois tínhamos “conta”) coberto por um céu inteiro colorido e festivo
de ovos de páscoa de todas as raças e espécies. Propositalmente instalado para
atrair o olhar das crianças acompanhadas de seus pais e despertar nelas um
desejo imenso que culminaria num: “Mãããe... me dá um?”. Até aqui tudo normal. E
minha mãe, como a maioria das mães, cedeu algumas vezes a aquele pedido.
Era sempre do mais barato, mas de
marca. Não aqueles que deixam uma camada de sabão engordurado no céu da boca. A
marca, eu me lembro até hoje, era TopCau. E embora fosse sempre o mesmo, as
cores variavam. Tinha o laranjado, de chocolate ao leite e o azul que era
“crocante” (pode ser o contrário... mas acho que não importa muito, não?). Naquela páscoa, eu me lembro, eu comi aqueles
deliciosos ovos de páscoa. Lembro até de ficar brincando com aquele potinho
plástico que vem embaixo do ovo.
E era pra ser uma história
linda... Sim, era pra ser... Só que, sei lá quantos meses depois, lembro de estarmos endividados. Lembro de uma
carta de cobrança. Lembro da tristeza de meus pais tentando sanar de alguma
forma aquela divida (não devíamos porque queríamos), enquanto eram pressionados
à pagar a conta. Foi marcante em mim ouvir minha mãe dizer que se dispunha a
fazer um acordo de pagar a dívida com
trabalho dela. E é esse, eu acho, o clímax dessa história.
Apesar de saber que nem 10% da
dívida fosse culpa dos ovos de páscoa, eu me senti (e me sinto até hoje), meio
culpado daquele quadro. Não só desse quadro de dívidas, mas de todas as dívidas
que vivemos e tivemos que lidar na minha família.
Embora na época minha mãe tivesse
problemas em controlar as compras (Deus curou isso, glórias a Ele!) e meu pai
não recebesse muito, eu sinto que não teríamos nem metade das dívidas, todas
elas, se eu não existisse e me permitisse o bendito “Mãããe... me dá um?”! E
mesmo eu sendo criança na época , não consigo tirar de mim essa culpa por todos
os ovos de páscoa, todas as pizzas, todas as latas de farinha Láctea e
salgadinhos que pedi!
Não há como culpar minha mãe! O
amor não pode ser o erro dela. Cresceu numa família enorme, cheia de privações,
com histórias que só de lembrar me enchem os olhos de lágrimas (como agora), e
ali era seu esforço e seu modo de fazer com que minha história (e do meu irmão,
embora ainda não lembre dele nessa história) fosse diferente. Os ovos de
páscoa, o ceder ao meu maldito “Mãããe... me dá um?” era a forma de dar a nós
aquilo que ela não teve. Isso é amor que não pode ser culpado.
Não dá pra culpar meu pai, que
trabalhava pesado pra sustentar a casa e dar á nossa família um conforto e ter
que pagar as contas. Um outro ovo de páscoa me lembra seu amor. Permita-me abrir um parênteses nessa história:
(Quando eu era novinho lá pelos 4
anos de idade, meu pai trabalhava fora, e lembro de um dia, acordar com ele
chegando em casa, tarde da noite, e tinha sobre a mesa um ovo de páscoa. Ele
comprou pra mim. E aqui meu irmão não tava mesmo na história. Eu ganhei também
um almanaque de dinossauros para colorir, que apesar de não tê-lo mais, lembro
sempre!)
Voltando agora pros ovos que
interessam, eis então minha condição de culpado. Não dava pra culpar minha mãe,
nem meu pai (nem meu irmão que como até agora não apareceu aqui, não precisa levar
culpa também). Eis então tão claro, pra mim, que eu era o grande devedor. Eu
era o motivo de minha família estar passando por aquele momento tão humilhante
( e que agora eu exponho de forma tão dolorida).
Ovos de páscoa não são tão lindos.
Podem ser coloridos, podem ser de chocolate e podem vir com brinquedos; mas só
o que sei, é que pra mim eles são escuros e apesar de deliciosos, vem com
lembranças doloridas dentro, que balançando na alma quebram a fina casca de
chocolate.
Não que eu os deteste. Não que eu
os rejeite. Mas nunca, sim, nunca mais, eu pedi ovos de páscoa! E nem ouso
fazê-lo. E por causa disso também penso muito antes de pedir qualquer coisa aos
meus pais. Porque sei que eles me amam a ponto de se endividarem por minha
causa.
Julguem minha família se quiser.
Sei que não é ortodoxo, mas eu jamais conseguirei separar esta cena horrível de
humilhação do amor. E isso me faz mais próximo da Páscoa, creia. Me faz
enxergar o Jesus comemorado, que na sua cena horrível de morte, demonstrou seu
amor. Tomando minha divida sobre ele.
Julguem minha família se quiser,
sei que é antítese de mais pra qualquer um entender, mas jamais deixarei que
nos acusem contra nossa integridade, porque eu, criança ainda, estava ali
vendo, que até por trás da vergonhosa divida, havia um motivo lindo e cheio de
caráter. Um motivo que me faz culpado mas também me fez consciente.
Enfim. E é assim que ovos de Páscoa são pra mim. Eles
estão no teto do corredor da minha história e quando olho pra eles vejo que nem
é por causa dos meus filhos que penso em trabalhar e conquistar estabilidade
financeira, mas sim por causa dos meus pais. Eu quero pagar esta dívida que
causei e mostrar que mesmo que eu não tenha dinheiro, os meus filhos também
saberão a verdade sobre os ovos de Páscoa!
Ovos de Pás côa + Amor = Divida!