"Boboletas"
“Boboleta”. Foi tudo o que eu
entendi... O fato de a dicção ser a de uma criança de três anos e meio não me
ajudou a entender nada muito além disso. Mas o que importava? Era a menina mais
linda do mundo com olhos brilhando e um sorriso maior que o mundo pintado no
rosto.
Pra mim foi o bastante saber que o
assunto se tratava de uma borboleta. Tal
como pra ela bastou meu sorriso como resposta. Lendo-o com seu pequeno
coraçãozinho e voltou correndo à cena que a encantou tanto. Eu resolvi segui-la.
Ela se pôs de novo no jardim, a roseira
maior que ela.
Acariciando a paisagem com o seu
doce olhar curioso á procura da borboleta que já não mais estava ali. Era pra
ser uma cena qualquer, mas pra mim não era. Era minha pequena de três anos
aprendendo o que as asas fazem com os series vivos.
Quantas lembranças e sentimentos
bons já me voaram pra longe? Minha infância foi cedendo ao tempo e com o
crescimento a beleza de muitas coisas foi ficando pra trás. Lembrei do cheiro
de chiclete de um shampo que eu gostava. Lembrei das gabirobas no campo prestes
a serem devoradas como se o gosto valesse a pena. Lembrei do como a casa da
minha vó parecia ser um mundo de tão grande. Tudo isso mudou. Como borboletas partiram.
No fundo de mim um pequeno tremor.
Como explica-la sobre como as coisas boas partem? Como conta-la que, tal como
borboletas, certas memórias e alegrias voam pra longe de nós?
Minha princesa sem ver nada das
minhas preocupações só continuava a busca pela sua borboleta. Uma busca
singela. Olhos velozes, o vento levantando uma mecha de seu cabelo, suas mãos
fechadas levemente apertadas. Ela buscava sua lembrança feliz. Me pus ao seu lado ajoelhado para encarar
aqueles olhos meio cerrados como de quem ainda não desistiu da busca.
“Querida, borboletas partem... elas voam pra
longe... Talvez você nunca mais a veja...”
Aquilo soou tão duro. E os olhos
doces de minha criança tão profundos na minha alma. Era só uma borboleta. O que
eu fiz pra torná-la uma metáfora tão triste? “Elas voam... voam pra longe...”
Ela virou o rosto pro jardim e
depois tornou a fixar o olhar em mim, como quem espera o final da história. Eu
a entendi... Como poderia acabar assim? Com a partida, com a dor das asas
virando pontos distantes? Eu entendia, mas como dizê-la que borboletas partem e
em poucos dias morrem? Esse é o fim.
Mais trágico que o meio da história: a partida vestida de eternidade.
A borboleta deixando de ser o
encanto da menininha de vestido azul pra ser a metáfora da morte... O que dizer...? Como responder o anseio da
garotinha que me encarava como que pedindo esperança?
“Meu anjo... a borboleta foi embora... sim borboletas
voam... vão longe, longe... Mas sabe? Elas tem que ir... Se não forem como
nascerão outras borboletas? Se elas não forem não terão mais jardins, não terão
tantas flores bonitas assim... Elas tem que ir... Elas vão levar flores pra
outros lugares e vão levar novas borboletas à outros lugares...”
Esse era o fim que ela precisava
ouvir. Eu sei porque ela sorriu de novo antes de sair de volta ao jardim. De
volta ao seu mundo de descobertas. De volta à sua alegria de quem ao ver
borboletas simplesmente vê uma “boboleta” e não uma metáfora triste.
E eu? Também sorri. No final das contas era só uma borboleta... Coberta
do pólem de esperança que colheu de minha menininha, deixou semente em
mim. Agora ela tinha que partir... Levar
esperança à outros lugares.