Sabe lá Deus o que eu estou
fazendo em um curso de engenharia. E é o “sabe lá Deus” que é a parte mais
importante, pois foi ele que me pôs aqui. Mas por que? Pois bem, é aqui que
tudo começa.Na minha vida acadêmica tenho convivido diretamente com alunos da
engenharia e engenheiros já formados em classe lecionando. Esse convívio tem se
mostrado um desafio pra mim por tantas vezes. Minha forma de ver o mundo, de
agir, de pensar acaba se mostrando tão diferente que é assim que esse texto
nasce: por que é pra mim tão complicado me adequar à este ambiente? Não sei ao
certo ainda, mas no fim todos concordaremos que eu, desde sabe lá Deus quando,
tenho um pezinho (se não os dois) nas áreas que hoje rotulamos de “humanas” e acho
que é aqui que se passa a questão.
Primeiramente, devo dizer que não
se trata da engenharia ser desumana. Bom deixar isso bem claro. Essa tal
história de separar as “exatas” das “humanas” é bem além de suspeita um certo
absurdo. Mas o negócio é o seguinte, por experiência própria, eu lhe digo que
no meio das exatas, pouco a pouco tudo o que é racionalmente lógico irá se
assegurar da tarefa de encher a vida de cálculos e estatísticas. O que restar
além da burocracia que rege um mundo de padrões estabelecidos e perfeitos não
será mais de interesse especial. Como se fosse possível descartar todo
improviso e toda insegurança, nos propomos a organizar todas as prateleiras da
vida em ordem numérica e sem exceções. O erro custa caro sempre, portanto não
erraremos. Nossa solução tem que satisfazer milhares de indicadores e ser acima
de tudo rentável.
Resumindo: esse mundo da
engenharia pede preto no branco. Quando digo que só há preto no branco
acredite. É assim que tem de ser. E não há espaço nem mesmo para um tom cinza,
o cinza é inexato de mais para nossos olhos focados nas probabilidades
controladas e resultados necessários. São engrenagens que nos movem. São
circuitos interligados que nos mantém em funcionamento. São as estratégias
esboçadas e gerenciadas que vão ditar o futuro.
Mas o que eu acho disso?
Eu estranhamente amo o cinza! E
assim sendo sou geralmente taxado de “o cara no curso errado”. E por que esse cinza que eu tanto gosto é complicado? Bom, quando o cinza importa, quando
se tem olhos para a beleza das engrenagens ou a curiosidade por detrás dos
circuitos e não somente para a eficiência destes, as circunstancias e premissas
da engenharia acabam se tornando algo mais pesado.
Eu acredito que tem muito mais
bagagem na vida do que cabe numa estimativa. Pra mim o x da questão passa bem
longe da exatidão o qual tem os engenheiros se orgulhado tanto.Eu gosto do
cinza. Eu gosto do cinza do aço trabalhado tanto quanto do cinza do céu que
anuncia tempestade. Aliás amo a forma como a janela anuncia a mudança abrupta
do tempo, a forma como de repente o inesperado cai do céu e assalta as pessoas
que reclamam como se o fenômeno climático fosse um erro que surgiu no seu dia
tão bem planejado. Afinal de contas o imprevisível, o incalculável, o fora da
norma, a exceção da reta é tudo bem característica dos sentimentos que nos
povoam, e pelo menos eu, tenho mais sentimento que engrenagens em mim.
Eu gosto do cinza porque não
somos preto no branco. Quanto pessoas, somos a inconstância, somos os
antagonismos, somos os desafios, somos as descobertas. Nada tão claro e nada
tão na escuridão. Somos dúvidas não respondidas e respostas questionáveis
habitando mesmo recipiente. Eu gosto do cinza, eu gosto de perceber beleza na
cor que se modifica no aço que funde, gosto de assistir um problema se
resolvendo e a lógica se desdobrando como algo incrível, gosto da engenharia
palpável, a engenharia que trabalha para pessoas e feita por pessoas que visam
pessoas.
E digo mais: se for os
sentimentos o desvio da reta, aquela curva inesperada, aquela variável
problemática, aquele dado fora da estatística, eu bem ponho à prova toda essa
tal de engenharia que os combate. Faço sim isto. Faço pois não consigo afastar
de mim o tão belo cenário das relações que se desdobram por baixo de tudo
quanto padronizamos.Pessoas são pessoas. Todo aquele não preto no branco me
encanta. Me encanta o desdobrar das relações, a construção da história, a mente
que vai transformando tudo por onde vai com seus filhos pensamentos.
A engenharia em sua indiscutível
importância porém não pode ir até esta profundidade existencial para sua própria
subsistência. Não são as vigas que constroem o homem que interessam ao homens
que constroem pontes. Se por acaso o ser rentável bater de frente com o ser
amável, maquiavelicamente a engenharia tem mente e não coração. Há em todos os
cálculos e demais matemáticas a visão única de se estruturar o mundo, um mundo
que realmente precisa de pontes, precisa de gestão lucrativas, precisam de
máquinas e circuitos.
Então eis que talvez o problema
seja eu, com minha profundidade e visão.Não que engenheiros sejam em sua
essência rasos ou superficiais, pois todas as pessoas são profundas até a alma.
Só que eu não consigo me despir disso e eu carrego isso pra sala de aula ou pro
meu trabalho. Carrego o olho atento que enxerga a tristeza do companheiro e
carrego mais sentimentos que livros na mochila. Carrego pessoas, carrego sentimentos, carrego
a busca pela beleza, carrego a necessidade de ser tudo mais vivo do que parece.
E é assim que eu, estudante de
engenharia tantas vezes sobro no meio da engenharia. Deixando a criatividade
roubar espaço da organização, deixando as perguntas secundarias se tornarem as
principais, trocando cálculos por pessoas e tentando fazer de toda a lógica
algo belo e cheio de vida que me inspire. Sim, eu preciso de inspiração.
Mas de tudo quanto já ouvi sobre
não pertencer à este ambiente, hoje eu luto minha própria luta e caminho aos
meus próprios passos. Como assim? Simples. Eu não sou a pessoas do curso errado.
Eu sou a pessoa que se descobre. Eu não sou o músico, ou escritor, ou psicólogo
na engenharia. Eu sou o engenheiro que além de engenheiro é músico, escreve e
ama pessoas! E se esse for realmente meu problema, eu não ligo pra esse
problema. Eu amo este problemas. Amo este meu cinza com músicas, com palavras,
com sentimentos. Amo ser este incompatível.
Amo este cinza, porque talvez eu
realmente não me encaixe tão bem hoje, mas quando se trata de diferencial, meu
cinza, ah meu cinza, será a engenharia mais bem vivida que Deus, sabe lá
porque, me deu.