Cá estou eu no banho. Olhos
fechados e os sentidos todos concentrados esperando o que o olfato os contará.
E cá, sob a água a escorrer, encurvando o corpo pra sentir bem de perto o
cheiro do sabonete na borda da janela estou eu.
Na brevidade de uma inspiração uma
imensidão explodiu em minha mente. O que entrava nas narinas era um aroma, o
que saia de minha mente eram lembranças. Saudades de um tempo em que eu era
menino e passeando pela madrugada sentia aquele cheiro que era a perfeita
combinação de mistério, noite, expectativas e solidão.
O cheiro de sonhos que não se
realizariam mas de esperanças sem fim, o aroma de poesias que nasciam no calado
do peito e de anseio de tempos outros que o futuro traria ou não. Cheiro de
vento frio no rosto, cheiro de mãos quentes no bolso. De boca rachada
aguardando os beijos que nunca vieram.
Cheiro de forasteiro, de não
pertencer, de sobreviver. De deixar a vida correr e esperar a chuva sentado na
janela e quando chover chorar. Cheiro bom de saudade.
Milhares de sensações, milhares de
sentimento, tudo na minha mente e no meu nariz.
Abri os olhos.
Era só um sabonete em meu banho.
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